terça-feira, 9 de junho de 2009

"Cinema, Aspirinas e Urubus"

No fervilhão das produções na época da Retomada, alguns filmes se destacam em meio aos outros. É o caso de “Cinema, Aspirinas e Urubus” (Brasil, 2005), que se afasta da espetacularização do modelo de cinema norte-americano e encanta com simplicidade.
Marcelo Gomes consegue acertar na dose e apresentar uma narrativa com recursos extremamente simples que cativam a atenção de quem assiste. A sensibilidade e desenvoltura com que o diretor pernambucano constrói a obra mostram que a qualidade cinematográfica não se limita a São Paulo e Rio de Janeiro; ainda que as metrópoles sejam celeiros de grandes produções, “Cinema, Aspirinas e Urubus” também ganha seu espaço.
O filme narra a viagem de um alemão pelo interior nordestino vendendo aspirinas pelos vilarejos simples e pobres. Em seu caminho pelas secas estradas, o alemão, Johann, é extremamente solícito e não recusa carona a ninguém que encontra pelo caminho. Entre as figuras sertanejas está Ranulfo, que acompanha Johann por todo o desenrolar da obra.
Em 1942, período que o filme perpassa, o governo brasileiro se sente pressionado pelos Estados Unidos e, em agosto, Getúlio Vargas declara guerra contra os alemães e italianos.
Ainda que a Segunda Guerra Mundial e a miséria nordestina sejam parte do plano de fundo, o filme surpreende pois mostra isso com sutileza, sem exageros dramáticos. A obra explora as relações humanas da dupla, sem pré conceitos sobre as personalidades de cada um.
Nesse sentido, o contexto de guerra serve ainda mais para esboças as relações humanas em tmepos difíceis e o quanto a guerra afeta a vida de todos, mesmo estando distantes dela. Uma cena que retrata fortemente as relações em época de guerra, sem perder o bom-humor, é no momento em que os dois personagens fingem estarem lutando caso se encontrassem na guerra, em lados opostos.
O bom humor, confiança e caridade que Johann oferece às pessoas quebra qualquer antipatia esperada por um alemão em tempos de guerra. O nordestino Ranulfo se mostra o oposto, está sempre desconfiado e não demonstra qualquer tipo de caridade durante a viagem. Embora sejam muito diferentes, ambos possuem algo em comum: estão fugindo de algo; Johann da guerra e Ranulfo da seca. As diferenças entre os personagens provoca curiosidade e uma sutil admiração mútua; enquanto o alemão comemora a distância da guerra, o nordestino almeja o trabalho na empresa da aspirina.
Um momento forte do filme é narrado na cena em que Johann está com febre por causa da picada de cobra e Ranulfo começa a contar sobre a trajetória d emuitos nordestinos; num monólogo, o sertanejo descreve uma suposta jornada em que ele teria tentado “ganhar a vida” na capital e, sob o fracasso da tentativa teria voltado para a seca do sertão. Essa cena é repleta de sensibilidade e consegue emocionar, mostrando a esperança e sonho de muitos nordestinos.
Dessa cumplicidade apresentada pelos personagens, Johann afasta a solidão do emprego – notada já no início do filme através das ações cotidianas repetitivas, sem diálogos e até, de certa forma, desinteressantes e cansativas – e Ranulfo aprende a ser um vendedor de aspirinas – aprende a dirigir e a projetar os filmes de propagandas pelos quais as pessoas se encantam e acabam adquirindo o produto mesmo sem ter necessidade.
Com a entrada do Brasil à guerra, muitas empresas são fechadas. Entre os afetados está o alemão Johann, que recebe uma carta avisando que deve voltar à Alemanha ou se dirigir ao campo de concentração em São Paulo. Como o território nordestino era alvo de uma instalação de bases norte-americanas,a única saída era fugir para a Amazônia, território “esquecido” e aidna pouco habitado.
Se o diretor consegue acertar na dose com uma narrativa simples e personagens espontâneos que parecem muitos reais, fazendo nos esquecermos de que se trata de uma montagem cinematográfica, o trabalho fotográfico de Mauro Pinheiro também deve ser ressaltado. A luz estourada no início do filme nos dá proximidade ao sertão, causando uma sensação de calor e cansaço, chegando até a dar mais lentidão, intencionamente, à narrativa. Os quadros que focam os personagens também são bem construídos. Apesar de serem simples- o que transite, novamente, um ar de naturalidade-, a proximidade com que os protagonistas são, em certos momentos, enquadrados enfatizam o suor escorrendo nos rostos dos viagentes e acaba nos convencendo da ‘realidade’ da narrativa.

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