domingo, 7 de junho de 2009

VIOLÊNCIA E POBREZANO CINEMA BRASILEIRO RECENTE

Abaixo, algumas partes do artigo científico de Esther Hamburguer sobre a violência no cinema brasileiro. A íntegra do texto pode ser encontrada aqui.

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Eu sou um mito.Foi a imprensa que fez esse mito.Eu sou o monstro que vocês criaram. Márcio Amaro de Oliveira, o traficante Marcinho VP, aos jornalistas que acompanharam sua prisão. O crescimento da violência entre forças estatais eparaestatais assusta. Nos anos 1990, uma série de massacres impetra-dos por forças policiais ou de polícia paralela marcou o processo deredemocratização. Nos anos 2000, o crime organizado passa a desen-volver ações de guerrilha urbana como “arrastões”,toques de recolher, ataques a ônibus e delegacias policiais.
Esse tipo de violência não é prerrogativa brasileira. Há uma profu-são de estudos sobre os mais diferentes casos de violência estatal e degrupos organizados na Colômbia, Venezuela, México, para não falardo Oriente Médio,talvez o maior barril de pólvora do novo milênio. Há relativamente pouca atenção,no entanto,ao elemento que nosinteressa:o papel que a visualidade — especificamente a visualidadetelevisiva e cinematográfica — desempenha nessas dinâmicas. Na fronteira das ciências sociais com os estudos de cinema e televisão,a idéia éespecular sobre os jogos simultaneamente políticos e estéticos que vãodefinindo os contornos do universo do que merece se tornar visível.Filmes tão diversos como Notícias de uma guerra particular(1999),Palace II (2000),Cidade de Deus (2002),Oinvasor (2003),Ônibus 174(2003),Cidade dos homens (2003),entre outros,e recentemente Falcão,meninos do tráfico (2006),documentário concebido e dirigido por MVBill e Celso Athayde,moradores de Cidade de Deus,são alguns exem-plos de obras de ficção ou documentário que acentuaram a presençavisual de cidadãos pobres,negros,moradores de favelas e bairros deperiferia no cinema e na televisão brasileiros. Ao trazer esse universo àatenção pública,esses filmes intensificaram e estimularam o quechamo de disputa pelo controle da visualidade,pela definição de que assuntos epersonagens ganharão expressão audiovisual,como e onde,elemento estraté-gico na definição da ordem,e/ou da desordem,contemporânea. Nessa periferia pouco acostumada à exposição,a visibilidade esti-mulou uma reação crítica contundente.A epígrafe deste texto citaMarcinho VP,personagem incógnita do filme de João Salles,que disseaos jornalistas que cobriam sua prisão:“eu sou o monstro que vocêscriaram”. A frase revela sensibilidade crítica para o jogo de espelhosque define personalidades mais ou menos estereotipadas e que GuyDebord,cineasta (ou anticineasta) e filósofo francês cujo livro ficouconhecido com os movimentos de maio de 1968 na França,definiucomo sociedade do espetáculo.
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Vale aqui uma incursão na história de possíveis interlocuçõesentre diferentes tratamentos visuais da pobreza e da violência nocinema e na televisão no Brasil. Ao contrário da televisão,que compoucas — emboratalvez crescentes — exceções tem se concentradoem difundir versões glamorosas da vida que a sociedade de consumopermite,o cinema brasileiro,desde o início de sua história,abordasituações de pobreza. Diferentes tratamentos estéticos de temas como pobreza e violên-cia em situação urbana,especialmente em favelas,marcam transiçõesrelevantes entre períodos da história do cinema brasileiro. Um romantismo simpático está presente nos filmes que inauguram o cinemamoderno; o cinema novo enfatiza a violência, principalmente nocampo,mas também em meio urbano,em chave alegórica,como formade questionar ideologias hegemônicas,desenvolvimentistas e de con-vivência pacífica. Mais recentemente, o cinema da retomada associaviolência e pobreza em chave documental9. A emergência do cinema moderno no Brasil está umbilicalmenteassociada à favela carioca. No filme de Nelson Pereira dos Santos Rio 40 graus,de 1955,a favela aparece como uma espécie de reduto:lá moram a solidariedade e a poesia.

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