Jardim Botânico, Rio de Janeiro. 12 de junho de 2000. Dezenas, talvez centenas, de pessoas. Repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e, claro, curiosos se amontoavam para acompanhar o que estava acontecendo naquela tarde. Era um espetáculo; Sandro do Nascimento era o centro das atenções, o asfalto e o ônibus da linha 174, seu picadeiro. O Brasil inteiro pára diante da TV, graças às lentes e aos microfones lá colocados, até as imagens das câmeras de monitoramento da Central de Trânsito foram utilizadas. Tudo foi devidamente acompanhado, Todos os ângulos, gestos, palavras e atitudes, assim como num filme.
O documentário Ônibus 174, de José Padilha, é exatamente isto, a vida imitando a arte. O filme relata o incidente conhecido como “Sequestro do ônibus 174”, que resultou na morte do sequestrador Sandro do Nascimento e de uma das reféns, Geisa Gonçalves, com tiros disparados pelo bandido e pela polícia. Fácil seria se o filme fosse tão simples quanto sua sinopse, no entanto, não o é. Padilha vai além do que vimos pela televisão: jovem negro, drogado, assaltando para sobreviver. Na verdade, como mostra o diretor, o buraco é mais embaixo e o buraco da ferida está longe de ser cicatrizado.
O ponto central era o sequestrador Sandro do Nascimento. Aos 6 anos, viu a mãe grávida ser morta a facadas. Depois disso, fugiu da casa da tia e se tornou um menino de rua. Foi um dos sobreviventes da chacina da Candelária (lembra?). Aumentou o consumo de drogas, e participou de assaltos para financiar o vício. Chegou a ser internado em instituições para menores, como a Febem. Saindo de lá, foi adotado por uma mulher na favela Nova Holanda. Já maior de idade, chegou a ser preso, mas fugiu. Aos 21 anos, saiu do anonimato por conta de um ônibus, foi capturado pela polícia e morto por asfixia, já imobilizado, dentro do camburão.
Já nos primeiros minutos do filme, notamos a crítica ao drama brasileiro da desigualdade social sem precisar de palavras: uma sequência de belas imagens aéreas da cidade fluminense, um contraposto entre o belo e rico e o feio e pobre. O diretor José Padilha opta por intercalar o desenrolar do sequestro com a história da vida de Sandro. E ainda há os depoimentos de familiares e amigos de Sandro, meninos de rua, policiais que participaram da ação, uma assistente social que trabalhava com as crianças da Candelária e de um ex-secretário de segurança do Rio.
O objetivo do documentário não é defender nenhum dos lados mostrados, já que todos tiveram voz. O documentário visa criticar, por meio da história de Sandro, a sociedade em que vivemos. Uma sociedade com diversos “Sandros” espalhados pelas ruas, invisíveis, sem reconhecimento, fantasmas de um sistema desonesto. Garotos invisíveis pois nós os negligenciamos e/ou projetamos sobre eles um estigma, uma caricatura.
Sandro, portanto, torna-se uma espécie de ícone dos garotos excluídos pela sociedade, faminto por existência e reconhecimento social. Ele encontra, através da violência, uma forma de chamar os holofotes para si e para todos os problemas envolvidos por trás de seu grito desesperado e impotente contra a invisibilidade. Interessante notarmos a glória de ser reconhecido, mesmo sendo através do medo e da violência, assim como de alguns personagens no filme, com lançamento no mesmo ano do documentário, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles.
Muito além de vilão, Sandro é também uma vitima do mundo em que vivemos, uma sociedade que não dá a menor importância para a criança abandonada – constatação muito bem ilustrada em cenas que mostram crianças fazendo malabarismos em frente a sinais de trânsito, enquanto os motoristas fechavam os vidros dos carros e olhavam para outro lado.
O caso do sequestro do ônibus mostra também outro grande problema brasileiro: o total despreparo da polícia. Os próprios policiais encarregados do caso reconhecem a crítica evidente do filme. A polícia do Rio de Janeiro (será que somente ela?) está mal armada, mal empenhada, mal treinada e sem auto-estima. Os policiais não sabem para que estão sendo formados, eles acreditam que sua principal função é “prender e matar marginal”. Diferente do que é mostrando no filme “Tropa de Elite”, um treinamento intensivo, no qual poucos alcançam o sucesso. No entanto, em ambas as “realidades” há a má remuneração, o que pode levar ao problema da corrupção, mas isso entraria em outra história.
Interessante os três filmes citados serem sobre a violência no Rio de Janeiro. Isso nos faz acordar para o fato de que precisamos resolver essa questão, mas não é tão simples. Sandro do Nascimento assaltou um ônibus e fez vários reféns. Algo que não terminou bem no final do dia. E então? A quem culpar? A incompetente administração pública? A ele mesmo, drogado e sem educação? Ao Estado, que lhe deixou ser ignorante? Aos que pouco se importam com a situação? José Padilha joga para todos os lados. Não há uma resposta, quanto mais uma resposta fácil, que possa ser conseguida em um documentário, por melhor que este seja.
A imobilização e o sufocamento de Sandro mostra que cabe à polícia o trabalho sujo que a sociedade não pode fazer, já que muitos que acompanharam o caso desejaram o linchamento do seqüestrador. A polícia serve como um regulador, eles acabam com os “Sandros”, reconquistam a invisibilidade dos garotos, para uma sociedade que prefere continuar cega aos problemas.
Como acredita o cineasta Bruno Barreto, diretor do filme “Última Parada 174”, baseado na história real de Sandro: “O ônibus 174 é o nosso 11 de setembro”. “Não é sobre um episódio violento, mas sobre as conseqüências da violência”, completa Barreto.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
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