segunda-feira, 8 de junho de 2009

Resenha ônibus 174

Jardim Botânico, Rio de Janeiro. 12 de junho de 2000. Dezenas, talvez centenas, de pessoas. Repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e, claro, curiosos se amontoavam para acompanhar o que estava acontecendo naquela tarde. Era um espetáculo; Sandro do Nascimento era o centro das atenções, o asfalto e o ônibus da linha 174, seu picadeiro. O Brasil inteiro pára diante da TV, graças às lentes e aos microfones lá colocados, até as imagens das câmeras de monitoramento da Central de Trânsito foram utilizadas. Tudo foi devidamente acompanhado, Todos os ângulos, gestos, palavras e atitudes, assim como num filme.

O documentário Ônibus 174, de José Padilha, é exatamente isto, a vida imitando a arte. O filme relata o incidente conhecido como “Sequestro do ônibus 174”, que resultou na morte do sequestrador Sandro do Nascimento e de uma das reféns, Geisa Gonçalves, com tiros disparados pelo bandido e pela polícia. Fácil seria se o filme fosse tão simples quanto sua sinopse, no entanto, não o é. Padilha vai além do que vimos pela televisão: jovem negro, drogado, assaltando para sobreviver. Na verdade, como mostra o diretor, o buraco é mais embaixo e o buraco da ferida está longe de ser cicatrizado.

O ponto central era o sequestrador Sandro do Nascimento. Aos 6 anos, viu a mãe grávida ser morta a facadas. Depois disso, fugiu da casa da tia e se tornou um menino de rua. Foi um dos sobreviventes da chacina da Candelária (lembra?). Aumentou o consumo de drogas, e participou de assaltos para financiar o vício. Chegou a ser internado em instituições para menores, como a Febem. Saindo de lá, foi adotado por uma mulher na favela Nova Holanda. Já maior de idade, chegou a ser preso, mas fugiu. Aos 21 anos, saiu do anonimato por conta de um ônibus, foi capturado pela polícia e morto por asfixia, já imobilizado, dentro do camburão.

Já nos primeiros minutos do filme, notamos a crítica ao drama brasileiro da desigualdade social sem precisar de palavras: uma sequência de belas imagens aéreas da cidade fluminense, um contraposto entre o belo e rico e o feio e pobre. O diretor José Padilha opta por intercalar o desenrolar do sequestro com a história da vida de Sandro. E ainda há os depoimentos de familiares e amigos de Sandro, meninos de rua, policiais que participaram da ação, uma assistente social que trabalhava com as crianças da Candelária e de um ex-secretário de segurança do Rio.

O objetivo do documentário não é defender nenhum dos lados mostrados, já que todos tiveram voz. O documentário visa criticar, por meio da história de Sandro, a sociedade em que vivemos. Uma sociedade com diversos “Sandros” espalhados pelas ruas, invisíveis, sem reconhecimento, fantasmas de um sistema desonesto. Garotos invisíveis pois nós os negligenciamos e/ou projetamos sobre eles um estigma, uma caricatura.

Sandro, portanto, torna-se uma espécie de ícone dos garotos excluídos pela sociedade, faminto por existência e reconhecimento social. Ele encontra, através da violência, uma forma de chamar os holofotes para si e para todos os problemas envolvidos por trás de seu grito desesperado e impotente contra a invisibilidade. Interessante notarmos a glória de ser reconhecido, mesmo sendo através do medo e da violência, assim como de alguns personagens no filme, com lançamento no mesmo ano do documentário, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles.

Muito além de vilão, Sandro é também uma vitima do mundo em que vivemos, uma sociedade que não dá a menor importância para a criança abandonada – constatação muito bem ilustrada em cenas que mostram crianças fazendo malabarismos em frente a sinais de trânsito, enquanto os motoristas fechavam os vidros dos carros e olhavam para outro lado.

O caso do sequestro do ônibus mostra também outro grande problema brasileiro: o total despreparo da polícia. Os próprios policiais encarregados do caso reconhecem a crítica evidente do filme. A polícia do Rio de Janeiro (será que somente ela?) está mal armada, mal empenhada, mal treinada e sem auto-estima. Os policiais não sabem para que estão sendo formados, eles acreditam que sua principal função é “prender e matar marginal”. Diferente do que é mostrando no filme “Tropa de Elite”, um treinamento intensivo, no qual poucos alcançam o sucesso. No entanto, em ambas as “realidades” há a má remuneração, o que pode levar ao problema da corrupção, mas isso entraria em outra história.

Interessante os três filmes citados serem sobre a violência no Rio de Janeiro. Isso nos faz acordar para o fato de que precisamos resolver essa questão, mas não é tão simples. Sandro do Nascimento assaltou um ônibus e fez vários reféns. Algo que não terminou bem no final do dia. E então? A quem culpar? A incompetente administração pública? A ele mesmo, drogado e sem educação? Ao Estado, que lhe deixou ser ignorante? Aos que pouco se importam com a situação? José Padilha joga para todos os lados. Não há uma resposta, quanto mais uma resposta fácil, que possa ser conseguida em um documentário, por melhor que este seja.

A imobilização e o sufocamento de Sandro mostra que cabe à polícia o trabalho sujo que a sociedade não pode fazer, já que muitos que acompanharam o caso desejaram o linchamento do seqüestrador. A polícia serve como um regulador, eles acabam com os “Sandros”, reconquistam a invisibilidade dos garotos, para uma sociedade que prefere continuar cega aos problemas.

Como acredita o cineasta Bruno Barreto, diretor do filme “Última Parada 174”, baseado na história real de Sandro: “O ônibus 174 é o nosso 11 de setembro”. “Não é sobre um episódio violento, mas sobre as conseqüências da violência”, completa Barreto.

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